O mendigo é um personagem
extraordinário , claro exemplo do que
queremos dizer por vontade de viver.
O mendigo não tem necessariamente
a ver com desapego ou santidade, algo que só entendemos de forma mítica e
raramente podemos praticar. Pois desapego e santidade raramente sãop completamente voluntários, mas
a culminância de situações que terminaram por nos absorver e transformar.
Sería, portanto, ilegítimo
apormos ao mendigo símbolos adventícios d piedade. Ao contrário vários consistentemente
assumem sua posição de escândalo e se recusam a aceitar qualquer consolo, em se
deixar envolver por qualquer dialética, em se iludir por qualquer ostentação
exterior de bondade e compaixão.
Sua posição de completa destituição
lhes fornece uma grande lucidez sobre nossas motivações mais profundas e o que
jaz latente em nosso discursos comovidos e nossas ações bem comportadas a eles
direcionadas. Como mendigos eles sabem que estão à margem de qualquer convivência
e o quanto nosso pífios atos caridosos escondem nossas inconsistências, medos e
ansiedades.
Ao doarmos aquém não pode retribuir , sentimo-nos superiores
e protegidos contra o estado de necessidade absoluta em que eles esse encontram.
E se não resistimos nos aproximar deles de forma carola e piegas , estejamos
preparados para o desprezo e manipulação da parte deles.
Nem símbolos de desapego , nem mártires
da piedade, os mendigos nos ensinam algo mais radical e essencial. Eles e seus vira-latas
são os símbolos mais acabados da vontade de viver.
Esta vontade que depois de todas as
depressões, humilhações e destituições, ainda os levam a a engolir com vontade
qualquer coisa que possam achar para matar a fome, levantarem-se de manhã de
pois de uma noite de frio, nudez , ou mesmo estupro, caminharam depois de uma
overdose ou diarreia, ranger os dentes e continuar vivendo.
Pois depois disto tudo e muito
mais, eles continuam desejando ser, independente de valores ou critérios de decência,
sucesso ou fracasso. A vida para eles adquire valor por si mesma, pois se torna
a possibilidade da continuidade de uma identidade e nada mais.
A aceitação desta premissa dá a
estes senhores e senhoras recursos extraordinários, pois tudo exige deles decisões com bases em
probabilidades fora de nossas expectativas. Estar atento e à altura deste
desafio é o que os mantém vivos.
Oxalá estivéssemos mais atentos a
este fato básico , ao qual penduramos tantas considerações secundárias .
Estamos vivos, ainda que dormindo.
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