terça-feira, 6 de outubro de 2015

Manual da perda de autoconfiança  3
Pois então meus caros se o mendigo tem algo de essencial a nos dizer sobre vida e crises podemos resumir nesta frase: quero viver . E vivendo superarei ou não, mas quero continuar esta experiência
 Não existe nenhum manual que garanta uma siada para crises que possam acontecer na sua vida , pelo contrario , você pode cometer enganos sérios no processo que podem torna-la pior.
Sua personalidade, seu contexto , as pessoas que o circundam , tudo isto pode afetar suas estratégias , para o melhor  ou para o pior.
No entanto,  uma atitude básica é necessária para você continuar  o jogo : querer continuar vivendo como o indivíduo que você é . Sem esta decisão , tudo pode acontecer , mas sem dúvida será assimilado, inclusive por você , como ruim.
Meu boxer sofreu, nos seus últimos anos , de câncer linfático. Conseguiu viver com a doença dois anos , contra todas as previsões. Ele foi um animal muito amado  e isto sem dúvida contribuiu muito . mas mesmo o amor, neste caso, não faz parte da premissa que lhe garantiu a sobrevida. Foi o instinto de viver  que fez este pequenino “milagre”, que pode ser alimentado de maneiras bem diferentes
Muitos sobrevivem carregando dentro de si sentimentos conflitantes  e mesmo raiva. O conde de Monte Cristo sobreviveu para realizar sua vingança. Foi este sentimento pouco nobre que o fez continuar vivendo , por que ele queria viver para isto.  
Claro que queremos algo mais positivo para nos motivar, mas não nos iludamos: em nossa economia interna , o ódio pode ser tão motivador quanto o amor. O fundamental é o quanto nossa emoções alimentam nossa vontade de continuar vivendo. Estes motivos podem ser os mais ilusórios ou os  mais ignóbeis . O importante é que tenham força suficiente para nos fazer caminhar.
Eu posso quere espraiar o amor, fazer a revolução, matar meus inimigos, enriquecer, ser famoso etc. Mas eu quero, este o dado que não podemos perder de vista.
 Sem o querer que nos dá sentido, ficaremos no mesmo lugar e, eventualmente, definharemos.
Obviamente chegaremos á situação limite em que nosso corpo pedirá que desistamos e que deixemos vir a indesejadas das gentes. Meu boxer assim o fez quando sentou no meu colo e expirou.  Mas até lá o jogo continua e precisamos querer continuar no jogo.
Digo isto porque não creio que seja tão óbvio perceber este nó.. Crises profundas de qualquer natureza fazem-nos justamente titubear  em nossa vontade, mesmo a de querer viver. Qualquer cura passa  portanto por esta decisão primordial. O resto são mecanismos que inventamos ou absorvemos de acordo com nossa conveniência ou sentimentos. Não foi portanto a terapia o fator fundamental de sua cura . Esta foi uma variável interveninente, que ajudou a viabilizar sua vontade.  Isto fica mais claro quando lidamos com por exemplo com drogados , casos típicos de vontade enfraquecida ou entorpecida.

De fato, uma grande parte da cura destes indivíduos passa pela cura desta vontade e pela recuperação deste espaço de decisão que foi perdido. Quando o indivíduo dependente decide se curar , um grande passo já foi dado, talvez o principal.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Manual da perda de autoconfiança 2

O mendigo é um personagem extraordinário ,  claro exemplo do que queremos dizer por vontade de viver.
O mendigo não tem necessariamente a ver com desapego ou santidade, algo que só entendemos de forma mítica e raramente podemos praticar. Pois desapego e santidade  raramente sãop completamente voluntários, mas a culminância de situações que terminaram por nos absorver e transformar.
Sería, portanto, ilegítimo apormos ao mendigo símbolos adventícios d piedade. Ao contrário vários consistentemente assumem sua posição de escândalo e se recusam a aceitar qualquer consolo, em se deixar envolver por qualquer dialética, em se iludir por qualquer ostentação exterior de bondade e compaixão.
Sua posição de completa destituição lhes fornece uma grande lucidez sobre nossas motivações mais profundas e o que jaz latente em nosso discursos comovidos e nossas ações bem comportadas a eles direcionadas. Como mendigos eles sabem que estão à margem de qualquer convivência e o quanto nosso pífios atos caridosos escondem nossas inconsistências, medos e ansiedades.
Ao doarmos  aquém não pode retribuir , sentimo-nos superiores e protegidos contra o estado de necessidade absoluta em que eles esse encontram. E se não resistimos nos aproximar deles de forma carola e piegas , estejamos preparados para o desprezo e manipulação da parte deles.
Nem símbolos de desapego , nem mártires da piedade, os mendigos nos ensinam algo mais radical e essencial. Eles e seus vira-latas são os símbolos mais acabados da vontade de viver.
Esta vontade que depois de todas as depressões, humilhações e destituições, ainda os levam a a engolir com vontade qualquer coisa que possam achar para matar a fome, levantarem-se de manhã de pois de uma noite de frio, nudez , ou mesmo estupro, caminharam depois de uma overdose ou diarreia, ranger os dentes e continuar vivendo.
Pois depois disto tudo e muito mais, eles continuam desejando ser, independente de valores ou critérios de decência, sucesso ou fracasso. A vida para eles adquire valor por si mesma, pois se torna a possibilidade da continuidade de uma identidade  e nada mais.
A aceitação desta premissa dá a estes senhores  e senhoras  recursos extraordinários, pois tudo  exige deles decisões com bases em probabilidades fora de nossas expectativas. Estar atento e à altura deste desafio é o que os mantém vivos.

Oxalá estivéssemos mais atentos a este fato básico , ao qual penduramos tantas considerações secundárias . Estamos vivos, ainda que dormindo. 
                                               Mais elegias

Teus seios ,Ligia, outrora alvos e firmes,
Hoje estão lassos e fatigados,
Com tristes nódoas e traços do tempo.
Cronos, cruel, nos rouba vigor e contento.
Mas não te aflijas , ó cara, com estes males vis.
Pois o que era antes prazer teso e bravo,
Hoje fornece descanso e afago.
                                               II
Deixo , Lígia , teu quarto
Vazio e pleno, vibrante e gasto.
Amor esta noite não foi avaro.
Teus beijos, gozos , falas me agradaram.
Nosso prazer tem um futuro.
                                               III
Não me atormentes, Ligia, com obrigações.
Ostentações do ego,
Fugas, solidões,
Ilusões de empenho,
Roubam-nos alegria, lucro , engenho,
No deleite, no calor,
Roubam-nos tempo
                                               IV
Teu sorriso fez-se manhã arredia
Promessa do fim de vãs porfias
Encanto honesto de quem cede sendo.
Amor venéreo terá seu dia.
                                                               V
Tristes sombras pervagam entrem mim e ti, Ligia,
Sombras de rancor, tédio e cansaço.
Excrementos de passado, que desviam do prazer presente.
Teu amor Ligia , me relaxa e revigora,
Mas não consola.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Sofridas  almas

Triste ver o fogo queimar o alento
E dele não ver nenhum rebento.
Cinzas ao vento
De vida falaz.
Esforço incapaz
De sentido dar
ao amor a Deus.
Rumo  trôpego e solerte,
Que  me fez inerte,
Ao injusto jugo
 dos temores meus.


Balada para un loco

Sempre fui um pouco piantal,
Alguns diriam muito.
De olhar, sentir e perder-me
em contemplações inexplicáveis.
De indignar-me com o aceitável,
de procurar o tortuoso,
de deleitar-me com o escabroso,
de experimentar o venenoso,
de ver maldade na bondade
e clemência no opressor.
De pressentir horrores em amores,
e me deleitar em repugnantes odores,
de comer o próprio pé,
procurar o firme, no cambiante,
no desprezível, o elegante,
de ser casto na orgia,
e lúbrico na homilia.
De inessencialmente buscar

a ilusória essência.
O sabiá cantou hoje no meu quintal. 
Canto dorido, terrestre,
Mahler retorcido pela secura e o sol do cerrado.
Canto Efatá de quem abre o peito da opressão.
Cantochão da mata, pedindo clemênca, 
em repetida oração. 

Na sua insistência,
O sabiá me enredou.

Foi como lembrar da antiga inconsciência das coisas: 
da inconsciência do ouvir , 
do cantar , 
da inconsciência do próprio sabiá.

Hoje, o canto dele move mais , 
lembra mais, 
purga mais.
Estou, no entanto,
todo menos.
Ah, a plenitude
da imbecilidade perdida.
O visceral se foi.

Olho meu menino,
tanto arrojo, 
festa, 
ebulição
e vontade.

É preciso que daqui saia uma benção.

elegias

Elegias
                                              I
De ti, Ligia , nao quero a alma,
nem mesmo o corpo,
forma fugidia e sagaz,
esconderijo de imperfeições futuras.
De ti quero somente
os encantos e enleios vis, 
com que animas o gozo de mim mesmo. 
                                               II
Teu carinho venal me compraz, me completa. 
És honesta e voraz em teu ofício, 
A preço justo, não te furtas à entrega,
E não negas o gozo em teu benefício.
                                                III
De tua histeria, Lígia , crio minha história
de amor, enganado pela rudeza do instinto.
Do banal e do risível retiro sutil alento, 
pois vero amor assim nasce: do vulgar e da escória.

manual da perda de autoconfiança

Manual da perda de autoconfiança I

O casamento se foi , o trabalho perdeu o sentido. Aquela tão poderosa razão não foi suficiente para encontrar oportunidades e soluções. Todas as suas expectativas sobre você mesmo e o mundo se desintegraram. O ciclo de prosperidade se desfez e não realizou todas as promessas.
Você se esforçou para lidar com este mar revolto : yoga,  terapias, individuais e  em grupo, tradicionais e alternativas,  antidepressivos. Defendeu seus direitos em assembleias, procurou novos empregos e fontes de renda, reconverteu-se , procurou novas crenças, finalmente voltou á sua crença de batismo.
Nas amizades um vendaval  levou os antigos amigos. Os que ficaram ou os que voltaram, permaneceram em uma distância respeitosa ou se viram a braços como suas próprias crises. Amigos novos surgiram, para sumirem logo na esquina. Alguns deles, vampiros para sugar sua energia vital ou mesmo seu dinheiro.
Mas você resistiu e conseguiu encontrar uma nova companheira. Mais ainda aquele filho sonhado nasceu. E você conseguiu financiar uma casa nova,  tudo isto para de repente se ver em situações de crises similares ao seu primeiro casamento.
Mais ainda seu salario foi cortado. A nova companheira tornou-se um pesadelo de convivência, um inferno ambulante a lembrar  todas as rejeições que você já sofreu na vida, mais as que vieram com a idade. Seu filho estava na sua casa, mas você se sentia literalmente proibido pela harpia domestica dele se aproximar.
Você pensou em mudar de país. Mas ficou sem dinheiro até para comprar uma passagem para o exterior. Além disso , o ciclo da vida mostrou cedo seu peso, e você, claro, não esteva preparado. 
A mãe que o amava e quebrava os galhos na hora  que o  cartão de crédito excedia os limites subitamente falece de acidente. O pai tornou-se senil e aquela irmã que morria de inveja de suas conquistas e  concentrou todos os pequenos elementos  de sua massa cinzenta em lhe acusar e atazanar, finalmente de você se torna próxima, para cobrar o suporte de seu pai, que você , noblesse oblige, aceita.
Alias,  você tentou apoia-lo, sempre,  a despeito das crises que tornavam impossível você  seguir ambições pessoais e estar presente para ele, o qual,  inerme, preferia se fazer ausente em seu mutismo solitário. Claro você não o entendeu e preferiu censurá-lo, muito mais do que ouvi-lo. Ele também, dolorido de não ser ouvido , preferiu não falar mais.
Mas você aceitou seu pai e dele cuidou com enormes sacrifícios , algo que sua queirda irma apostou que você não faria.
No wonder  você quebrou financeiramente com tantos compromissos e pressões.
 E vieram  processos na justiça . perda da casa, dívidas , dívidas , dívidas, sem contar aquele despacho que você pagou pelo champagne do babalaorixá,
Mas se você passou por tudo isto e ainda não morreu, não se iluda , você tem uma grande capacidade de reação e sobrevivência e você merece ainda dar um credito á sua vontade de viver.
Nos próximos números espero tornar isto claro a você  e compartilhar experiências  que permitam você construir a partir destes abalos um vida decente para você , qualquer que seja o significado que você venha a dar a esta expressão .
 Pois se trata disto, você é mais resistente do que pensa . O  que você precisa aprender é não se deixar levar por noções de sucesso ou fracasso, que perdedores e zumbis tentam apor a você.
Vejo você no próximo número